segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

também a existir se aprende


A idéia de postar isso surgiu de uma conversa ontem, quando falávamos sobre o fato de às vezes sermos individualistas e ferirmos as pessoas ao nosso redor. Mais precisamente, sintetizando tudo, a partir deste trecho:

"Algumas vezes eu fiz mal para pessoas que me amaram. Não é paranóia não. É verdade. Sou tão talvez neuroticamente individulista que, quando acontece de alguém parecer aos meus olhos uma ameaça a essa individualidade, fico imediatamente cheio de espinhos - e corto relacionamentos com a maior frieza, às vezes firo, sou agressivo. É preciso acabar com esse medo de ser tocado lá no fundo. Ou é preciso que alguém me toque profundamente para acabar com isso."

E nesse tempo em que vivemos, em que o preenchimento do vazio adquiriu traços mais sofisticados, em que a informação mais valor recebe, nossa individualidade é suplementada por aquilo que conhecemos, sabemos, vimos, sentimos. E a ameaça vem quando pessoas tentam atravessar esse domínio do sentido só nosso; somos cavaleiros de nosso próprio exército.
E aí pensei num livro muito bonito: O cavaleiro inexistente. E pensei em Gurdulu, em contraste ao cavaleiro Agilulfo Emo Bertrandino dos Guildiverni e dos Altri de Corbentraz e Sura. E pensei em mim também. Não seria amar um esquecer-se da nossa individualidade? Um desejo incondicional de felicidade, uma tentativa de, sendo nós, sermos o outro? E que prender-se a uma individualidade é afastar de si algo como o amor? Afinal, se somos aquilo que gostamos...

- Eu sou - a voz emergia metálica do interior do elmo fechado, como se fosse não uma garganta mas a própria chapa da armadura a vibrar, e com um leve eco - Agilulfo Emo Bertrandino dos Guildiverni e dos Altri de Corbentraz e Sura, cavaleiro de Selimpia Citeriore e Fez!
(...)
- Como é que não mostra o rosto para o seu rei?
- Porque não existo, sire.
- E como é que está servindo, se não existe?
- Com força de vontade - respondeu Agilulfo - e fé em nossa santa causa!
- Certo, muito certo, bem explicado, é assim que se cumpre o próprio dever.

(...)

- Olhem, ele está bancando uma pereira! - exclamava Carlos Magno, risonho.
- Já vou sacudi-lo! - disse Orlando, e deu-lhe uma pancada.
Gurdulu deixou cair ao mesmo tempo todas as peras, que rolaram pelo prado em declive, e ao vê-las descer não pôde fazer outra coisa senão rolar também ele feito pêra no relvado e assim desapareceu da vista de todos.

Com Gurdulu, visualizei o que um dia li e gostei tanto:
Tu és uma forma de ser eu, e eu uma forma de te ser: eis os limites de minha possibilidade.

3 comentários:

::Soda Cáustica:: disse...

oi p. The Bends é ótimo, é um cd que curto muito.
Que bom que gostou do blog. O teu também é muito bom e já está nos meus favoritos, entrarei sempre para ler teus textos!

abraço

viveca

Bruna O. disse...

Conversa comigo, aliás. Sempre fico me perguntando sobre essa tal (im)possibilidade de ter um amor e nunca cheguei a conclusão alguma.
Talvez seja, como você diz, pelo meu alto nível de exigência. Ou é o mais puro dos medos.

P.S: Muito chato ter que ficar digitando essa verificação.

Emmanuelle Kant disse...

Sabe que eu não entendi nada desses trechos do Calvino, assim, metaforicamentean.
E olha que eu li o livro.
Provavelmente não entendi o livro também.
Frango assado com farofa, minha vida.
Sobre o resto, por mais que eu pense a respeito, no fundo, não consigo não pensar que tudo não passa de sorte.