sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

ando tão à flor da pele


Que meu desejo se confunde com a vontade de não ser
Ando tão à flor da pele

Que a minha pele tem o fogo do juízo final

E aí fui ver The Reader. Me emocionei um bocado, mas me contive, o cinema estava lotado. Kate, quiçá pela primeira vez, me tocou.
Gostei da feminilidade lanceolada dela, e a densidade que a envolvia, com suas expressões profundas, contundentes, contidas. Uma mulher interessante.


Nem Renoir


Nem Fragonard


Ontem fiquei com Kate, sem ler uma única linha, (im)penetrável, sólida, sorvendo com rispidez Homero e Chekhov.


Às vezes me preservo
Noutras, suicido
: http://www.youtube.com/watch?v=5-TzJGnBuKQ&

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009



Nada temos a temer.
Exceto as palavras.



segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

tartamudeando no deserto


Começar, com sofreguidão. A parte mais difícil. Ou mais fácil, alguém diz. Do alto do meu forte no deserto, de onde perscruto as silhuetas, as reverberações. Mas meu sonar é frágil e meus olhos imprecisos.
Quando assoma-se um ponto sombreando o solo árido, despejo-lhe minha artilharia, que é louca pra ver, pra sentir. Pra não ser mais, no limiar da explosão. E explodir em sua extensão, sulcando-lhe o corpo com a generosidade de um impacto cego. Não, ela não é belicosa, pelo contrário, mas tão intensa quanto.
No fundo é isso, eu acho:
Sofro do meu vício de acreditar. Acreditar chorando.

Some fellow officers are eagerly awaiting an attack; some no longer want to believe in it; others take advantage of the vague threat to further their career. All of them are sacrificing everything -- health, youth, friends, family -- for a distant military ideal: leading the defence against the onslaught of the enemy. But in the vast emptiness surrounding the fortress, nobody has ever sighted the Tartars...

domingo, 15 de fevereiro de 2009

la casualidad que estábamos esperando



pra que rimar amor e dor


Fui procurar alguma coisa relevante que tenha ocorrido hoje mas não achei nada. Contentei-me com a afirmação despida de fundamentos de que hoje foi o dia em que Sócrates foi condenado à morte por cicuta. Nem é possível saber se Sócrates de fato existiu, porque nada deixou escrito. Enfim, alguém acreditou na morte de Sócrates e pintou La Mort de Socrate. E eu também vou fazer de conta.
Fui olhar meu caderno da época em que estudava Filosofia, minhas anotações e tal. Agora nem lembro se eram originais ou fichamentos. Só sei que foram pra estudar pra única prova que fiz lá, sobre tragédia ¬¬.

- Antes da tragédia, segundo Nietzsche, havia a era do estático, traduzida pela arte das formas da escultura, que representava a visão apolínea do mundo. O elemento dionisíaco era encontrado nas farândolas dos festivais, na bebida e, sobretudo, na música. A combinação de todos esses elementos em uma só forma de arte deu origem à tragédia.
- Apolo e Dioniso representam antíteses estilísticas que caminhavam juntas, quase sempre lutando entre si, mas que se fundem, formando a obra de arte da tragédia ática. O elemento dionisíaco era encontrado na música, enquanto o apolíneo era encontrado nos diálogos que davam concretude simbólica e recortavam a exultação dionisíaca. Não só as imagens agradáveis e belas são vistas, senão as sérias, tristes, obscuras e tenebrosas.
- O herói da tragédia não luta contra o destino, mas apresenta-se ao destino em sua desgraça, ante o mundo de espanto que acaba de conhecer.
- A dialética, ao contrário, é otimista: crê em relações de causa e efeito e, portanto, em relações necessárias de culpa e castigo, virtude e felicidade. O herói é capaz de defender suas ações com argumentos e contra-argumentos. Aí está presente a idéia socrática de que "o virtuoso é o feliz". [/grandes-merdas-ser-adevogado]
- Goethe: "Todo o trágico se baseia numa contradição irreconciliável. Tão logo aparece ou se torna possível uma acomodação, desaparece o trágico".

Lembrei das agruras de Aquiles em sua contradição entre lutar e morrer jovem ou envelhecer e ter vida longa. Amar e sofrer. Amar ou sofrer. Juliette Binoche no final de Bleu.

Botei na balança e você não pesou

[http://www.youtube.com/watch?v=0x2mpUQTCqw]

sábado, 14 de fevereiro de 2009

a flor


1) Você é homem ou mulher?
Pierrot.

2) Descreva-se:

Tropeça a cada quarteirão
Não mede a força que já tem
Exibe à frente o coração
Que não divide com ninguém
Tem tudo sempre às suas mãos
Mas leva a cruz um pouco além
Talhando feito um artesão
A imagem de um rapaz de bem


3) O que as pessoas acham de você?
Não, ele não vai mais dobrar
Pode até se acostumar
Ele vai viver sozinho
Desaprendeu a dividir

4) Como descreveria seu último relacionamento amoroso?
Quem sabe.

5) Descreva sua atual relação com namorado ou pretendente:
Eu encontrei-a quando não quis
mais procurar o meu amor
E quanto levou foi pr'eu merecer
antes um mês e eu já não sei


6) Onde queria estar agora?
Paquetá.

7) O que pensa sobre o amor?
Ah vai!
Me diz o que é o sufoco que eu te mostro alguém
afim de te acompanhar
E se o caso for de ir à praia eu levo essa casa numa sacola


8) Como é a sua vida?
Não há ninguém capaz
De ser isso que você quer
Vencer a luta vã
E ser o campeão
Pois se é no "não" que se descobre de verdade
O que te sobra além das coisas casuais
Me diz se assim está em paz?


9) O que pediria se pudesse ter apenas um desejo?
Feito pra mim, bom pra você. Deixa mudar e confundir!

10) Escreva uma frase sábia:
É de lágrima que faço o mar pra navegar

11) Se despeça:
Adeus você
Eu hoje vou pro lado de lá
Eu tô levando tudo de mim
Que é pra não ter razão pra chorar

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

abismo



Corpo pode ser abismo?
Hoje fui ao shopping, templo asséptico e alabastrino do desejo, comprar um tênis razoável para correr. Já vou entrando de verdade na casa dos vinte, né, daqui a pouco é trinta, preciso começar a cuidar do corpitcho. E correr é uma boa opção para quem se sente desconfortável em academias.
Entrei na primeira loja que vi, que exibia uma faixa vermelha imensa escrito "liquidação". O sujeito que veio me atender tinha um vezo que me irrita bastante, o seja-bem-vindo-brother-qualseunome.
"Oi. Quero um tênis bom de corrida com preço entre 100 e 150 reais."
"O tênis é pra você? Qual o seu nome?"
"É. Pedro."
"Prazer, me chamo Alex! Ih, Pode ser um pouquinho acima disso, cara?"
"Sim, até 160." Sorri sem mostrar os dentes e arqueei as sobrancelhas, minha cara de simpatia impessoal.
"249?"
"Não."
"Ok, vou ali na outra loja pegar um Mizuno muito bom de 149, fica aí à vontade olhando os modelos."
"Ok."
"Qual o seu nome mesmo?"
"Pedro."
Trinta segundos depois ele volta:
"Pedro? Qual o tamanho?"
"41."
Esperei uns 10 minutos e nada. A outra loja ficava a uns metros dali, no primeiro piso. Eu estava no segundo. Pensei que ele realmente estivesse se esforçando para procurar o tênis, mas resolvi simplesmente ir embora.
Antes de continuar procurando em outras lojas, fiquei com vontade de tomar um chá mate gelado. Sempre sento numa mesa defronte ao Rei do Mate e tomo um mate gelado com limão ou leite. Pela primeira vez pedi um com maracujá.
Depois fui andando até a livraria pescoçar livros e dvds. Já gastei deveras fazendo isso.
Foi aí que tive uma pequena epifania: o som ambiente tocava Sentimental, do Los Hermanos, enquanto eu folheava o Livro das Perguntas, do Neruda. Eu não lembrava de música ambiente ali. Por alguma razão, fiquei prestando atenção na letra e cantando junto mentalmente enquanto lia as perguntas.
De tanto eu te falar, você subverteu o que era um sentimento e assim
Fez dele razão
Pra se perder no abismo que é pensar e sentir...
Ao mesmo tempo em que era grafado no meu pensamento: Para quién arden los pistilos del sol en sombra del eclipse?
Aí percebi que até aquele momento do dia eu não tinha falado com ninguém realmente, assim, só com a vendedora do mate e com Alex. Acabei comprando o livro, né, que nem tava caro, pocket book.
Saí dali e fui caminhando lívido sobre o abismo, cheio de perguntas.

p.s.: No caminho, pensei que a trilha sonora perfeita para andar em shopping é Michelangelo Antonioni, do Caetano. [http://www.youtube.com/watch?v=T6TpPx8J-Y8]





quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

touché


Fico pensando se não é por essa barreira por trás do rosto que eu escrevo agora, o rosto e o infinito, o rosto e o inefável, o rosto e o murmúrio, o rosto e a música.
O que de você eu não posso tocar e posso amar sem ver? Até o limite, quando o ver não importar mais e a única visão produzida seja a visão tátil de um cego.
Toi qui me parles d'elle, de son corps effacé... Intensidades de vozes de hors-là, que esvoaçam pelos planos e murmuram junto com a música, vozes que são o tempo ele mesmo.
E a barreira entre o rosto e o detrás se desfaz. Não tão completamente, no caso do Lonsdale, com sua "densidade de bruma", personagem que talvez tenha me chamado mais atenção. Para explicá-lo com a intensidade de India Song, não vejo outro meio senão ser voz, senão amar.

Para justificar em termos gerais o seu desejo pela escrita, ele procurava inverter a explicação feita certa vez por García Márquez, ao dizer que escrevia para que o amassem. Porque exatamente ao contrário, para ele, a escrita, e tudo aquilo que possa ser considerado arte, era entregar-se em uma via de mão única. Escrevia para simplesmente amar, com tudo que pudesse advir daí.
E ele sabe, como sabia, que o amor incondicional é uma exposição vã. Situação em que não há e não pode haver en garde.
Há coisas que o sustentam, vivas e mortas em seus significados pulsantes. Há coisas que o farão continuar sem defesas, uma vez após outra, com corpo e cicatriz, com corpo de cicatriz, fortalecido após o último e antes do próximo touché.


domingo, 1 de fevereiro de 2009