quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

corpos que fogem ou crepúsculo perpétuo


Ozon anda preenchendo os espaços vazios deste blog. É que os dois últimos filmes que vi dele são meio bruxos, com um quê de sutil compreensão cósmica do cotidiano que até agora só encontrei em Kieslowski.
Dessa vez foi 5x2, um mosaico triste do relacionamento de Marion e Gilles. Todavia bonito. A primeira em uma ingênua e quase indulgente busca do amor perdido; o segundo tangenciando amores achados, a entropia dos pequenos atos do dia-a-dia. E ambos fogem: juntos e de mãos dadas ora espalmadas em ausência mútua. Quando percebe que poderia ter engatilhado algo maior e que fugisse de seu controle, Gilles simplesmente se faz ausente - e digo simplesmente não com o intuito de reprovação, mas porque é fácil, é simples e elementar.
Pensei que eu também fizesse o mesmo, e é o que tenho feito a vida inteira. Uma espécie de experimentação que não se permite estancar, e sua resposta é: ela-mesma-infinita.
Agora está na moda, mas devo dizer e bradar e cantar, porque gosto muito:

If I was young, I'd flee this town I'd bury my dreams underground
As did I, we drink to die, we drink tonight


Mas me pergunto o porquê de cantar isso - disso fazer tanto sentido. - e faz. Aceitar algo com tanta força quanto essa música me assusta, me coloca diante de uma situação que pensava não ser capaz de viver. Aquela em que me transmuto em uma geração, na minha geração, e me sinto sendo cantado.

We'll lay it down, it's not been found, it's not around


Pink Floyd não iria compor The Dark Side of the Moon hoje, quiçá a banda se formasse. Talvez não houvesse quem cantasse

You raise the blade, you make the change
You re-arrange me 'till I'm sane.

You lock the door

And throw away the key

There's someone in my head but it's not me.


E vamos deixando que nos perpassem os estribilhos dessas canções que um dia existiram com tanto sentido.
Voltando ao que podemos chamar de nós, não sei se é bom ou ruim ficar nessa de fuga, talvez ninguém responda.
Na última cena, os corpos de Marion e Gilles esmorecem na água do mar e o sol declina no crepúsculo. Será que o sol explica a nossa fuga, ele que foge sempre pra aparecer no mesmo lugar e fugir de novo? Não creio; talvez ela seja perpétua e alheia a repetições. Repete-se o desejo e nada mais: precisamos achar outra estrela.
Lembrei vagamente de Gliese 581 c, um planeta que orbita a estrela anã Gliese 581, na constelação de Libra. Por causa da alta gravidade, não há rotação, e uma de suas faces, onde sempre é dia, fica sempre voltada para Gliese. Dizem que nos pólos, por isso, há um crepúsculo perpétuo.
Permito-me adicionar a este crepúsculo perpétuo um mar, uma praia e um corpo só, crepitando, ao som de ukuleles e trompetes e percussões pulsando pequenas explosões, insidiosamente simulando corações.
Let the seasons begin - it rolls right on...


Dobrou o corredor deserto. E aí caiu em outra esquina. Que a levou a outro corredor que desembocou em outra esquina.
Então continuou automaticamente a entrar pelos corredores que sempre davam para outros corredores. Onde seria a sala de aula inaugural? Pois junto desta encontraria as pessoas com quem marcara encontro. A conferência era capaz de já ter começado. Ia perdê-la, ela que se forçava a não perder nada de cultural porque assim se mantinha jovem por dentro, já que até por fora ninguém adivinhava que tinha quase 70 anos, todos lhe davam uns 57.

Um comentário:

Emmanuelle Kant disse...

Track 05: http://app.radio.musica.uol.com.br/radiouol/cdcapa.php?artista=Jorge-Mautner&album=Carnaval-So-no-Ano-que-Vem&codcd=009720-2