terça-feira, 23 de dezembro de 2008

para uma violeta que doce espreita


Não sei, o episódio da vodka e das baratas?
Falar sobre uma palavra ou termo difícil de resumir requer certo esforço.
Só sei que ele ao chegar à casa de deconhecidos estava morrendo de calor de dezembro. O suor escorrendo no pescoço, empapando a camiseta. Ao secretamente desejar água, foi-lhe oferecido um drink de vodka com não-sei-o-quê, talvez suco de maracujá, por irônico que possa parecer. E foi este presente-de-grego que utilizou para os seus propósitos, não sem antes lançar mão de gelo: pedras deliciosas naquele momento, diria epifânicas, dentro da geladeira, cubinhos ordinários de água desejada.
Feito isto, ouviu Beatles enquanto os outros conversavam, e ele sempre afável e tímido sorrindo com tudo, pois tudo era, na pior das hipóteses, mais uma novidade efêmera; e não pretendia parecer antipático; não ali, naquele momento, dia e hora. Mas sua calma o fez alheio no canto da sala, e só pensava era em chupar gelo - tudo bem, com vodka e maracujá, o mundo não é perfeito; mas sem estes, como desejaria possuir o gelo? Não sei.
Encheu o copo de gelo e foi para fora da sala, numa área exterior ornada por bromélias e damas-da-noite onde pessoas também conversavam. Havia até uma pequena violeta apreensiva tentando entender aquilo tudo.
A questão é: ele não sabia onde ficar, simplesmente flanava por ali feito sombra anônima e, ao final, essa identidade não parecia ser de todo ruim.
É que eles lá na obsessão de falar e falar, e alcoolizar a produção de sensações, e se agitar na ciranda de palavras vazias, não viram um casal de baratas que serenamente os observava - e digo que estavam assustadas.
Ele logo viu uma - achou que fosse apenas uma - no caule de uma dama-da-noite, camuflada, anteninhas se movendo lentamente para cima e para baixo e para os lados. Com receio de falar sobre ela ou fazer qualquer estrépito e parecer deselegante, pois seria provavelmente a coisa mais grandiosa que diria naquele calor, calou e ficou por instantes ali parado há poucos centímetros dela, pensando "uma barata, uma barata. se ela voar no meu pescoço...! não sei o que faço, não mesmo". Mas não voou. Ficou na mesma posição com suas anteninhas e ele se acostumou e ficou também calmamente ali.
Voltou para pegar mais gelo e, ao retornar para o seu lugar vazio perto da barata que ninguém via, foi surpreendido - sim! do canto, no chão, surgira outra, e do mesmo tamanho, se arrastando com dificuldade. E foi aí que alguém soltou a primeira cacofonia de bicho-desesperado-do-topo-da-cadeia-alimentar. Por algum motivo que lhe era estranho, na sua calma fizera um pacto secreto com elas. A do chão deve ter percebido, pois veio se aproximando dele, que estava imóvel.
Levantou um dos pés para que passasse e outro alguém a matou. Seu único tesão naquele momento era chupar gelo, mas poderiam bem ser também cubos com sabor de melancia.

3 comentários:

Emmanuelle Kant disse...

Um selvagem levanta o braço
Abre a mão e tira um caju
Um momento de grande amor

ana disse...

Pactos com baratas? Está vendendo tua alma?

Bruna O. disse...

Já matei uma barata descalça e destruia violetas quando era pequena. Prefiro orquídeas. Sempre que vejo uma paro pra olhar e fico imaginando coisas. Flor que não precisa de muita água nem de solo pra crescer, flor que vive sobre árvores sem parasitar, flor quase sem perfume. E masculina.