segunda-feira, 19 de janeiro de 2009


Um dia, me traz de presente um LP com a ópera Lulu, de Alban Berg, e sugere um tema: comparar o grito de morte de Lulu, personagem principal desta ópera, ao de Maria, personagem de Wozzeck, outra ópera do mesmo compositor. Misturando a Lulu de Berg com a de Pabst (o belíssimo filme com Louise Brooks baseado nesta ópera), sua imagem é a de uma mulher exuberante e sedutora que se envolve com uma significativa diversidade de mundos, numa vida inteiramente experimental. Num período de miséria decorrente de algum episódio em que sua vitalidade sofre o impacto de forças reativas, Lulu sai às ruas para fazer algum dinheiro, em pleno frio de uma noite de natal. No anonimato do michê, ela acaba encontrando nada mais nada menos do que Jack o Estripador, que evidentemente irá matá-la. No momento em que antevê a morte refletida no facão que o assassino aponta contra ela, Lulu solta um grito dilacerante. O timbre de sua voz tem uma estranha força que fascina Jack a ponto dele quase desistir do crime. Também nós somos atingidos por esta força: sentimos vibrar em nosso corpo a dor de uma vigorosa vida que se recusa a morrer. Já a outra mulher, Maria, é a cinzenta esposa de um soldado qualquer. Seu grito de morte é quase inaudível; confunde-se com a paisagem sonora. O timbre de sua voz nos transmite a pálida dor de uma vida insossa, como se morrer fosse igual a viver. O grito de Lulu nos vitaliza, apesar e por causa da intensidade de sua dor. Já o grito de Maria, nos arrasta para a melancolia e nos dá vontade de morrer.

2 comentários:

Emmanuelle Kant disse...

Lembrei de Rocco e Seus Irmãos.

p. disse...

Pois é, bem lembrado. E o interessante de Rocco é que Lulu e Maria dividem praticamente a mesma cena.