Trata-se não apenas de fuga, mas de (im)possibilidades. Profanar as linhas já sedimentadas. Identidade, dever, relacionamentos, espaço. E Antonioni profanou, de fato, com alguns planos geniais. Talvez um filme-símbolo da modernidade tardia, da fuga de si mesmo e da obsolescência dos espaços físico-institucionais. O que surge três décadas depois? O homem-celular, os caleidoscópios de subjetividades virtuais, os relacionamentos fugazes, os horizontes móveis de experimentações. Fragmentos passageiros, passageiros de fragmentos.
Agora, aqui, veja, é preciso correr o máximo que você puder para permanecer no mesmo lugar. Se você quiser ir a algum outro lugar, deve correr pelo menos duas vezes mais depressa do que isso!
segunda-feira, 19 de janeiro de 2009
Um dia,me traz de presente um LP com a ópera Lulu, de Alban Berg, e sugere um tema: comparar ogrito de morte de Lulu, personagem principal desta ópera, ao de Maria, personagem deWozzeck, outra ópera do mesmo compositor.Misturando a Lulu de Berg com a de Pabst (o belíssimo filme com Louise Brooksbaseado nesta ópera), sua imagem é a de uma mulher exuberante e sedutora que se envolvecom uma significativa diversidade de mundos, numa vida inteiramente experimental. Numperíodo de miséria decorrente de algum episódio em que sua vitalidade sofre o impacto deforças reativas, Lulu sai às ruas para fazer algum dinheiro, em pleno frio de uma noite denatal. No anonimato do michê, ela acaba encontrando nada mais nada menos do que Jack oEstripador, que evidentemente irá matá-la. No momento em que antevê a morte refletida nofacão que o assassino aponta contra ela, Lulu solta um grito dilacerante. O timbre de suavoz tem uma estranha força que fascina Jack a ponto dele quase desistir do crime. Tambémnós somos atingidos por esta força: sentimos vibrar em nosso corpo a dor de uma vigorosavida que se recusa a morrer.Já a outra mulher, Maria, é a cinzenta esposa de um soldado qualquer. Seu grito demorte é quase inaudível; confunde-se com a paisagem sonora. O timbre de sua voz nostransmite a pálida dor de uma vida insossa, como se morrer fosse igual a viver.O grito de Lulu nos vitaliza, apesar e por causa da intensidade de sua dor. Já ogrito de Maria, nos arrasta para a melancolia e nos dá vontade de morrer.
"Muitas pessoas estão no vazio delas, mas é preciso coragem para ver o desespero". Hoje vi Revolutionary Road. Sem esperar nada, como tem que ser. Não é um desespero, ahn, bergmaniano. São pessoas que têm coragem para perceber o vazio e o desespero... ao menos no início. Um desespero eloqüente. Sam Mendes é eloqüente, eu acho. É uma boa história, com atores. Me identifiquei. Pensei que pra suportar aquilo, hoje em dia, só com doses cavalares de comprimidos. Espero que não. E sobre isso tenho que esperar. É incrível como alguém sempre tem que evocar psiquiatras, porta-vozes de Simão Bacamarte. No filme, essa figura aparece claramente como limite entre a realidade e a interdição, a desqualificação de um discurso. "Acho que está na hora de encontrar alguém para ajudar a trazer algum sentido na sua vida". Por que não uma cidade? Paris! Até a mais famosa das orelhas teve de suportá-los... Charcot, Gachet. Vejo sentido na mutilação, vejo sentido nas mutilações. "Ela parece muito durona e adequada, como o inferno". Lembrei de uma cena, de um filme que não é exatamente uma história, que às vezes queda suspensa em pura fotografia em movimento com sons - por que não um quadro? -, algo de verdadeiramente arte. De um diálogo que não é exatamente um diálogo, porque a moça reproduz num gravador um solilóquio. Um impressionismo mordaz.
Da sala, vinham diálogos de um filme que passava na televisão. "Se fosse você, não faria isso!". Depois dessa frase, ouviu-se o latido de um cão. Longo, sincero, perfeito na sua parábola... que se perdia no ar, como numa grande dor. Depois, achei ter ouvido um avião... mas o que veio foi o silêncio. Eu estava muito feliz. O parque é cheio de silêncio feito de ruídos. Se encostar o ouvido no tronco de uma árvore e permanecer... ouvirá um ruído. Talvez venha de nós, mas prefiro pensar que vem da árvore. No silêncio, batidas estranhas atrapalhavam a paisagem sonora ao meu redor. Eu não queria dizer. Fechei a janela mas não parou. Achei que enlouqueceria. Não quero ouvir sons inúteis. Quero poder escolhê-los durante a jornada. As vozes, as palavras: quantas palavras não queria ouvir... mas não posso evitar. É preciso suportar, como as ondas do mar suportam quando você deita para boiar. Quando você deita para boiar: certamente no italiano a metáfora é mais excitante, porque a Monica Vitti diz, no lugar de boiar, a fare il morto. Uma interessante expressão.
Quanto a mim, talvez me mutile um dia, já me mutilei algumas vezes. A não ser que
Une pipe tem razão, ilustres leitores. Revendo O Rio e What Time is it There?, de fato, é desesperador, e nada, nada do que possa ser feito em termos de movimentação de câmera e técnicas de iluminação pode eximir os filmes desse desespero. Por favor, ignorem o meu falso e pretensioso senso de domínio estético em Ming-Liang quando eu disse, dias atrás, que sua forma de filmar é elegante. No fim das contas, os planos fixos e a parca iluminação só contribuem para um desespero ainda mais engolfante e sufocante. Obrigado pela atenção.
Ele não regressou. Foi como se tivesse tomado um grande comboio de trem dirigindo-se a um sonolento futuro através de uma noite insondável.
segunda-feira, 5 de janeiro de 2009
O quereres e o estares sempre a fim Do que em mim é de mim tão desigual Faz-me querer-te bem, querer-te mal Bem a ti, mal ao quereres assim Infinitivamente pessoal E eu querendo querer-te sem ter fim E, querendo-te, aprender o total Do querer que há e do que não há em mim
sexta-feira, 2 de janeiro de 2009
Mas vou cantar Pra não cair Fingindo ser alguém Que vive assim de bem