domingo, 8 de março de 2009

p.s. para não me esquecer


O diálogo final de La Notte é uma das coisas mais bonitas que vi em cinema, poético como bem sabe fazer Antonioni, poeta das imagens, das cores, das palavras. A lettera scritta sopra un viso do Caetano... O cinema de Antonioni sempre me interessou, desde o primeiro contato que tive. A vagueza como espaço, vazio, amplo, atmosférico, esperando, apenas esperando. O farfalhar das árvores ao vento, as paisagens sonoras. Quando reli o diálogo, tive uma vontade imensa de nunca esquecê-lo.

Para não me esquecer:

Hoje, quando acordei, você ainda dormia. Aos poucos, acordando, senti sua respiração leve. E através dos cabelos que escondiam seu rosto, vi seus olhos fechados e senti uma comoção subindo à garganta. Tive vontade de gritar e acordá-la, pois o seu cansaço era profundo e mortal. Na penumbra, a pele dos seus braços e pescoço estava viva e eu a sentia morna e seca.
Queria os lábios nela, mas o pensamento de perturbar seu sono e de ainda tê-la em meus braços me impedia. Preferia tê-la assim, como algo que ninguém tiraria de mim, pois só eu a possuía. Uma imagem sua para sempre.
Além do seu rosto, via algo mais puro e mais profundo onde eu me refletia. Eu via você numa dimensão que englobava todo o tempo da minha vida.
Todos os anos futuros e os que vivi antes de conhecê-la, mas já pronto para encontrá-la. Este era o pequeno milagre de um despertar. Sentir pela primeira vez que você me pertencia, não só naquele momento, e que a noite era eterna ao seu lado.
No calor de seu sangue, de seus pensamentos, da sua vontade, que se confundia com a minha. Por um momento, entendi o quanto a amava, Lídia, e foi uma sensação tão intensa que meus olhos se encheram de lágrimas.
Eu pensava que isso jamais deveria terminar. Que toda nossa vida deveria ser como esse despertar. Senti-la não minha... mas como uma parte de mim. Uma coisa que respira comigo e que nada pode destruir, a não ser a indiferença de um hábito, que considero a única ameaça. Então, você acordou e, sorrindo, ainda adormecida, me beijou e eu senti que não havia nada a temer. Que seríamos sempre como naquele momento, unidos por algo que é mais forte que o tempo e o hábito.

Retirado de http://rockcaustico.blogspot.com/2008/01/la-notte.html

Um comentário:

::Soda Cáustica:: disse...

puxa que lindo... fico lisongeada de tê-lo como leitor.