sábado, 14 de março de 2009

para onde quer que a gente vá, encontrará facas para atirar em mim

Tudo que se precisa é uma garota numa ponte com grandes olhos tristes.

As que esperam, como Adèle, que se lhes aconteça algo. Como uma tela esperando, impassível sobre um cavalete, qualquer sorte de dínamo criador de ligações geométricas, espectrais, sólidas, com cores, muitas, de preferência. Um Miró, um Chagall.
Qualquer coisa arremessável, ainda que.
É que desde o começo o corpo se propôs a um jogo, só, sur le pont. Um jogo, também e sobretudo, de sorte.
Achei o filme uma delícia, a fotografia bem escolhida, a trilha sonora, roteiro; mas, principalmente, as intensidades manejadas pelo Leconte ao redor dessas metáforas que tratam, em última análise, de relacionamentos, de amor. A mecânica obscura do acaso, perpassando tudo, é algo que sempre me atraiu, em qualquer forma de arte.



Talvez uma tela desesperada não espere tanto por algo que já exista, o que existe às vezes satura: quer algo novo, novas potências, novos arranjos do desejo.


Na roda da morte, o seu corpo é o limite dos meus arremessos, o meu tempo, o meu ritmo, a minha circunscrição.
Gostei muito do personagem do Auteuil, da forma como ele se coloca, regalando com meticulosidade também desesperada um corpo exposto, vulnerável, e buscando, aos poucos, uma outra espécie, própria, de exposição e vulnerabilidade...
À primeira vista, atirar-esperar, duas condutas opostas, que se excluem. Nem sempre, todavia.
Please, don't stand too close to me, can you hear my heart?

Ao final, o lançar facas não passa de um lançar a si mesmo.




http://www.youtube.com/watch?v=WxCSQY4zskg